domingo, 1 de janeiro de 2017

A política externa brasileira da democracia



A política externa brasileira da democracia –
O paradoxo da mudança na continuidade?

A MUDANÇA DEMOCRÁTICA (1985-1990)

Em meados da década de 1970 Ernesto Geisel começou a impor algumas linhas de abertura do regime, o que foi amplamente desenvolvido pelo seu sucessor João Figueiredo, que promoveu nesse mesmo ano uma reforma partidária. Assim, em 1984, sob o lema «Diretas já», estavam criadas as condições mínimas necessárias para se realizarem eleições. O Governo reconheceu também que deveria procurar um consenso relativo com os actores sociais de modo a evitar qualquer ruptura institucional, o que culminou com a adopção da Constituição em 1988. Tancredo Neves, eleito Presidente, mas que faleceu antes mesmo de tomar posse, foi substituído pelo seu vice-presidente José Sarney. Deste modo, a democracia reinstalava-se no Brasil de forma gradual, não se verificando qualquer processo revolucionário e, por isso, também ao nível da política externa não se verificou qualquer corte abrupto com o passado. Mas esta linha de continuidade deriva igualmente da componente institucional e burocrática encontrada no Itamaraty, permitindo «continuidade nas escolhas e relativa consistência nas orientações de política»3, assim como da despolitização da política externa.

José Sarney chegou ao poder com um contexto interno que não era de todo favorável, descrito pelo próprio Presidente como «um Brasil composto por diversos Brasis»4, referindo também que o início do seu mandato começara com a explosão simultânea de três crises: política, económica e social. Assim, a nível interno as primeiras medidas do Governo prenderam-se com a estabilização do país o que exigia a adopção de medidas para a redução da dívida externa. A «crise da dívida»5, originada no Governo anterior, era resultante do esgotamento do modelo económico iniciado na década de 1930, que tinha o Estado como actor central e se baseava na substituição das importações6. Sarney preconizava por isso a necessidade de reduzir o papel do Estado na economia. Para esse efeito, lançou em 1986 o Plano Cruzado, como forma de estabilizar a economia através da redução dos valores da inflação. Como o próprio Presidente escreveu, «a resposta do povo ao Plano Cruzado revelou que uma reforma da economia que elimine a inflação e a especulação era uma grande aspiração popular7.

Neste período a relação do Brasil com os Estados Unidos8 esteve dependente e foi influenciada pela situação económica brasileira. Sarney afirmou que «entrei neste período de dificuldades sem receber um único gesto de apoio por parte dos Estados Unidos»9. Embora reconhecendo os aspectos partilhados pelos dois países advertiu contudo que «Quando os problemas aparecem a preocupação de Washington é a segurança; a sua solução militar»10. O seu discurso era bastante crítico da atitude dos Estados Unidos, que, em seu entender, lidavam com o Brasil como sendo um «país de segunda»11. A incompatibilidade de posições entre o Brasil e os Estados Unidos foi também evidente nas questões comerciais e nas tentativas de lançamento das negociações no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT).

Paralelamente, a orientação do Itamaraty não facilitou a aproximação com os Estados Unidos. Sarney teve dois ministros das Relações Exteriores, ambos com posições distintas quanto à inserção internacional do Brasil. Olavo Setúbal preconizava o fim das linhas do «Pragmatismo Responsável»12 e uma nova aproximação com os Estados Unidos, mas Abreu Sodré desviou-se dessa orientação começando por reatar as relações diplomáticas com Cuba e reconhecendo, face à situação económica, a necessidade de diversificar as relações externas. Por conseguinte, este período foi marcado, essencialmente, por um fortalecimento da cooperação entre o Brasil e a Argentina, assim como com o Uruguai, tendo em conta a assinatura da Acta para a Integração e Cooperação Económica, em 1981. O Brasil e a Argentina assinaram em 1986 o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, e associaram-se ainda ao Grupo de Apoio a Contadora, provocando uma reacção negativa por parte dos Estados Unidos que não apoiavam as tentativas de integração entre as duas principais potências da América do Sul e impuseram inclusivamente algumas sanções comerciais ao Brasil. Tal retaliação fez com que o Brasil procurasse novos parceiros noutras áreas regionais, nomeadamente a República Popular da China e a URSS, ao mesmo tempo que procurava desenvolver as suas relações com os países africanos e do Médio Oriente.

O período de José Sarney foi, essencialmente, um período de transição, em que as dificuldades económicas do país e as condições políticas e sociais internas, bem como as incompatibilidades com os Estados Unidos, ainda num contexto de Guerra Fria, ditaram muitas das opções que se fizeram.