quinta-feira, 20 de abril de 2017

Imagem do "justiceiro" é a nova versão do populista latino-americano



Em sua participação nas Jornadas de 2017, o professor de Direito Constitucional Pedro Serrano explica como a exceção vem tomando conta do Estado brasileiro

Tatiana Carlotti

Em sua participação nas Jornadas de 2017 o jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, abordou a questão do Estado de exceção na contemporaneidade, mostrando como a exceção tomou conta do país ao ingressar no ambiente do Direito e se tornar um modo de gestão estatal da violência pelo Estado.

Partindo das transformações do capitalismo global, a partir da década de 1980, Serrano analisou como o Estado autoritário é uma exigência dessa nova ordem, capitaneada pelo capital financeiro, tecnológico e militar. Uma de suas atribuições, inclusive, é gerenciar a violência resultante da imensa desigualdade social provocada por essas transformações.

A exceção “se tornou uma forma de governabilidade”, subvertendo “o sentido, no plano internacional, do Estado nação”, destacou o jurista. Às Forças Armadas, por exemplo, cabe o papel de polícia mundial utilizando o mote da “segurança nacional” para justificar as guerras globais contra o “inimigo”. Os Estados nacionais, por sua vez, encontram-se reféns dos interesses das grandes corporações já que “qualquer medida prejudicial aos interesses do capital pode significar a saída deste capital do país”.

Essas transformações do capitalismo global também promoveram um forte processo de concentração dos poderes político e cultural nas mãos do poder econômico, resultando em “um modelo extremamente conservador e autoritário”. Segundo Serrano, essa forma distinta de “anarquia de produção intensa, que concentra poder cultural e político, exige um estado nação autoritário que suprima as liberdades públicas e os direitos sociais ao máximo possível”. Os dados brasileiros atestam a dimensão desse processo: em 1990, o país contava com 3 mil a 4 mil mortos em violência; hoje, são 60 mil.

A equação do chamado neoliberalismo é simples: “De um lado, se subtrai do Estado o poder de realizar benefício social e integração; de outro, amplia a possibilidade do Estado de suprimir liberdades e de aprisionar. No caso do Terceiro Mundo, em especial, a possibilidade de realizar genocídio e ampliar a violência”.

Neste processo, destacou, dá-se a atuação de um poder desconstituinte, capitaneado pelo sistema de justiça que engloba o juiz, o promotor, o legislador e a mídia. “O sistema de justiça é fator dominante desse poder desconstituinte”, apontou Serrano, ao exemplificar a atuação desse poder no Brasil: “não se altera formalmente a pauta da Constituição de 1988, mas inicia-se um processo de emendas constitucionais e com isso vai se esvaziando o sentido da Constituição. O Judiciário aceita e isso se estabiliza no sistema”.

Roupagem democrática do Estado autoritário

Destacando a ideia da provisoriedade, a identificação de um inimigo social e a suspensão de direitos como características do Estado de exceção, Serrano lembrou que “nas ditaduras latino-americanas havia a interrupção assumida e performática do ciclo democrático. Os governos de exceção e ditatoriais assumiam o comando sempre com o discurso da provisoriedade. Essa era a característica dos governos de exceção”.

Isso mudou. “Como essa nova forma de capital vende para o mundo uma ideia de democracia, mas ao mesmo tempo e contraditoriamente, pleiteia um Estado autoritário, surgiu no mundo Ocidental a figura de um Estado com uma roupagem democrática e com um conteúdo autoritário”.

Nesta nova roupagem, “são mantidas as figuras da autoridade democrática, das instituições democráticas, dos processos de decisão democráticas, mas eles são subvertidos em seu sentido”. Este processo, reiterou, é “capitaneado pelo sistema de justiça que se torna um gerenciador de medidas de exceção”, marcadamente a partir dos anos 2000.

Essas medidas de exceção podem ser facilmente identificadas na realidade brasileira. Por exemplo, a utilização da figura do bandido e do bandoleiro como forma de descaracterizar a identidade dos cidadãos. Uma figura, aliás, muito bem localizada nos territórios ocupados pelas forças policiais locais que passaram a ser forças de ocupação territorial. “A maioria das pessoas que tem contato com a polícia nesses ambientes morre ou sofre graves prejuízos à sua integridade física. E se é preso não tem direito de defesa”.